CAIXA PRETA DO PROCESSO

"Quando comecei a escrever esse texto, passei a usar o perfume Fahrenheit e queimar livros. Eu precisava sentir a temperatura do fogo no meu pescoço. O cheiro não me deixava esquecer que uma criança estava sendo morta naquele exato momento. Queimar os livros tinha uma função de me causar uma espécie de estrangulamento para me lembrar que o objetivo de muitas guerras são os de dizimar culturas. Tive que escrever esse texto rápido para deixar de queimá-los. Meu caderno de desenhos virou um diário de guerra. Quando virava as páginas do meu diário, virava o resto da minha inocência. O tempo não passava mais pelo relógio, eu me perdia no tempo. Em tempo de guerra o tempo é a própria guerra. Diários servem para não nos perdemos no tempo da guerra. A infância não existe na guerra [...]

DRAMATURGIA DO PROCESSO: Sobre o uso do perfume Fahrenheit para os atores - A temperatura é o motor da combustão, e considerando isso, distribuirei para os atores o perfume para ser usado no pescoço durante os ensaios. Com a orientação que eles já venham de casa naquele dia com o perfume, sentido esse cheiro. A exploração da percepção olfativa se dá para expandir esse sentido e para criar um estado de presença contínua. Para que os atores, na trajetória até a sala de ensaio pensem, quando sentirem o cheiro, na combustão. Nas suas chegadas na sala de ensaio, o cheiro do perfume deve ter outra representação, a de estrangulamento; Dramaturgia do silêncio do ator; Dramaturgia performática.

FONTES DE PESQUISA: Livros, diários, hipertextos e uma filmografia enorme, tudo que convergisse para o tema geral da guerra, da criança na guerra, de situações que podem servir de analogias para outras formas de guerras, bem como de realidades paralelas que ocorrem em situações de extrema dor, medo ou em situações de maior fragilidade humana. Dessa forma, a matéria prima foi: os filmes Tartarugas Podem Voar; O senhor das Moscas (livro e filme de Peter Brook); O túmulo do Vagalumes; Persépolis; Aimée e Jaguar; entre outros. Nas pesquisas de imagens documentais e da criação de um painel semântico (imagens que contribuem para composição visual) houve estudos sobre: as pessoas petrificadas pelo Vesúvio em Pompeia-Itália; Fotos da ONU, jornalísticas e amadoras sobre crianças em contextos de guerras. O livro Vozes Roubadas - Diários de Guerra, organizado por Melanie Challenger e Zlata Filipovic, foi importantíssimo para a criação do texto, uma vez que, ele trata de uma coleção de relatos escritos por crianças em situações de guerras reais".